terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Versos de fim de ano


Aproveita o dia,
Não deixes que o dia termine sem teres crescido um pouco, sem teres sido feliz, sem teres alimentado teus sonhos.
Não te deixes vencer pelo desalento.
Não permitas que alguém te negue o direito de expressar-te, que é quase um dever.
Não abandones tua ânsia de fazer de tua vida algo extraordinário.
Não deixes de crer que as palavras e as poesias sim podem mudar o mundo.
Porque passe o que passar, nossa essência continuará intacta.
Somos seres humanos cheios de paixão.

A vida é deserto e oásis.
Nos derruba, nos lastima, nos ensina, nos converte em protagonistas de nossa própria história.
Ainda que o vento sopre contra, a poderosa obra continua, tu podes trocar uma estrofe.
Não deixes nunca de sonhar, porque só nos sonhos pode ser livre o homem.
Não caias no pior dos erros: o silêncio.
A maioria vive num silêncio espantoso. Não te resignes, e nem fujas.
Valorize a beleza das coisas simples, se pode fazer poesia bela sobre as pequenas coisas.

Não atraiçoe tuas crenças.
Todos necessitamos de aceitação, mas não podemos remar contra nós mesmos.
Isso transforma a vida em um inferno.
Desfruta o pânico que provoca ter a vida toda adiante.
Procures vivê-la intensamente sem mediocridades.
Pensa que em ti está o futuro, e encara a tarefa com orgulho e sem medo.
Aprendes com quem pode ensinar-te as experiências daqueles que nos precederam.
Não permitas que a vida passe sem teres vivido...

Walt Whitman

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Direito Penal e "O processo"

Prezados,

Repasso a seguir interessante texto indicado pela Thaís Sant'ana. O semestre está de recesso, mas o conhecimento não. Por isso, compartilho esse ótimo texto de Warley Belo com reflexões sobre a clássica obra de Kafka: "O processo". Mais subsídios para nossa visão sobre o Direito Penal.

É só clicar aqui para ler.


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Questões fechadas e gabarito

Senhores,

A seguir as questões fechadas e respectivo gabarito da prova de hoje.

Reitero o pedido para que vocês não faltem à aula de quarta-feira. Vou devolver as provas corrigidas, analisar eventuais impugnações às notas e passar importantes informações sobre a continuidade deste semestre letivo, no ano que vem.

1.Assinale a alternativa correta.
a) Compete ao direito penal atender os anseios sociais de punição para pacificar conflitos.
b) O recurso à pena no direito penal garantista está condicionado ao princípio da máxima intervenção, máximas garantias.
c) Cabe ao direito penal limitar a violência da intervenção punitiva do Estado.
d) O discurso jurídico-penal de justificação deve se pautar na ampla possibilidade de solução dos conflitos pelo direito penal.
e) A legitimação da intervenção penal se deve, também, à seletividade do sistema penal.

2.A ideia de que o Direito Penal, deve tutelar os valores considerados imprescindíveis para a sociedade, e não todos os bens jurídicos, sintetiza o princípio da
a) adequação social.
b) culpabilidade.
c) fragmentariedade.
d) ofensividade.

3.O princípio, segundo o qual se afirma que o Direito Penal não é o único controle social formal dotado de recursos coativos, embora seja o que disponha dos instrumentos mais enérgicos, é reconhecido pela doutrina como princípio da
a) lesividade.
b) intervenção mínima.
c) fragmentariedade.
d) subsidiariedade.
e) Proporcionalidade.

4.Com relação aos princípios penais, assinale a opção correta.
a) O princípio da humanidade das penas proíbe, em qualquer hipótese, a pena de morte no ordenamento jurídico brasileiro.
b) O princípio da legalidade permite a criação de tipos penais incriminadores através da edição de medidas provisórias.
c) Segundo o princípio da intervenção mínima, o direito penal deve atuar como regra e não como exceção.
d) Segundo o princípio da intranscendência, a pena não pode passar da pessoa do condenado.

5.Com relação às fontes do Direito Penal, é correto dizer que as fontes formais são classificadas em
a) materiais e de cognição.
b) imediata e substancial
c) mediata e de produção.
d) mediata e imediata
e) exclusivamente de cognição.

6.Considere as afirmações:
I. No Estado democrático de direito é dada especial relevância à noção de que o direito penal tem como missão a proteção de bens jurídicos e se considera que o conceito de bem jurídico tem por função legitimar e delimitar o poder punitivo estatal.
II. Só se legitima a intervenção penal nos casos em que a conduta possa colocar em grave risco ou lesionar bem jurídico relevante.
III. Para que seja verificada a tipicidade, que é o perfeito encaixe de uma conduta a um tipo penal, pode-se utilizar a analogia, de modo que sejam tutelados bens jurídicos não previstos expressamente na lei, mas semelhantes a eles.
SOMENTE está correto o que se afirma em
a) I.
b) II.
c) III.
d) I e II.
e) II e III.

7.(Promotor de Justiça – MG). Sobre as possíveis leituras do garantismo, na perspectiva dos direitos fundamentais, é CORRETO afirmar que
a) a concepção de um “garantismo positivo” alia-se ao princípio da proibição de proteção deficiente, trazendo como consequência a extensão da função de tutela penal aos bens jurídicos de interesse coletivo.
b) o pensamento garantista se funda, em seu modelo clássico, em princípios que se opõem à tradição jurídica do iluminismo e do liberalismo.
c) o garantismo, na concepção de Ferrajoli, tem como objetivo principal edificar um conceito específico para a criminologia, a partir da discussão da legitimidade da intervenção penal, não se ocupando, por isso, do estudo da qualidade, quantidade e necessidade da pena.
d) a proposta do garantismo pode ser sintetizada na tentativa de arrefecer os princípios fundamentais que devem orientar o direito penal em um sistema punitivo democrático.

8.Considere as afirmações:
I. Segundo entendimento doutrinário balizador das normas aplicáveis à espécie, as teorias tidas por absolutas advogam a tese da aplicação das penas para a prevenção de futuros delitos.
II. As teorias tidas por relativas advogam a tese da retribuição do crime, justificada por seu intrínseco valor axiológico, que possui, em si, seu próprio fundamento.
III. O ordenamento jurídico brasileiro não reconheceu somente a função de retribuição da pena, sendo certo que a denominada teoria mista ou unificadora da pena é a mais adequada ao regime adotado pelo CP.
SOMENTE está correto o que se afirma em
a) I.
b) II.
c) III.
d) I e II.
e) II e III.

9.Costuma-se afirmar que o direito penal das sociedades contemporâneas é regido por princípios sobre crimes, penas e medidas de segurança, nos níveis de criminalização primária e de criminalização secundária, fundamentais para garantir o indivíduo em face do poder penal do Estado. Analise as proposições abaixo:
I - O princípio da lesividade (ou ofensividade) proíbe a incriminação de uma atitude interna.
II - Por força do princípio da lesividade não se pode conceber a existência de qualquer crime sem ofensa ao bem jurídico protegido pela norma penal.
III - No direito penal democrático só se punem fatos. Ninguém pode ser punido pelo que é, mas apenas pelo que faz.
Pode-se afirmar que:
a) todas as assertivas estão corretas.
b) somente I e III estão corretas.
c) somente II está correta.
d) todas as assertivas estão erradas.

10.Acerca do significado dos princípios limitadores do poder punitivo estatal, assinale a opção correta.
a) Segundo o princípio da culpabilidade, o direito penal deve limitar-se a punir as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais importantes, ocupando-se somente de uma parte dos bens protegidos pela ordem jurídica.
b) De acordo com o princípio da fragmentariedade, o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados por sentença transitada em julgado.
c) Segundo o princípio da ofensividade, no direito penal somente se consideram típicas as condutas que tenham certa relevância social, pois as consideradas socialmente adequadas não podem constituir delitos e, por isso, não se revestem de tipicidade.
d) O princípio da intervenção mínima, que estabelece a atuação do direito penal como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico.

GABARITO:
1.C
2.C
3.D
4.D
5.D
6.D
7.A
8.C
9.A
10.D

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Questões para treinamento - 12/12/12

Questões de múltipla escolha:
1.Cabe ao legislador, na sua precípua função, proteger os mais diferentes tipos de bens jurídicos, cominando as respectivas sanções, de acordo com a importância para a sociedade. Assim, haverá o ilícito civil, o administrativo, o penal etc. Este último é o que interessa ao direito penal, justamente por proteger os bens jurídicos mais importantes. Pode-se dizer que o direito penal:
a) tem natureza fragmentária, ou seja, somente protege os bens jurídicos mais importantes, pois os demais são protegidos pelos outros ramos do direito.
b) tem natureza minimalista, pois se ocupa, inclusive, dos bens jurídicos de valor irrisório.
c) tem natureza burguesa, pois se volta, exclusivamente, para a proteção daqueles que gerenciam o poder produtivo e a economia estatal.
d) é ramo do direito público e privado, pois protege bens que pertencem ao Estado, assim como aqueles de propriedade individualizada.
e) admite a perquirição estatal por crimes não previstos estritamente em lei, assim como a retroação da lex gravior.


RESPOSTA: letra A.

2.Sobre o Direito Penal é correto afirmar que:
a) A proteção do Direito Penal pode recair sobre quaisquer bens, mesmo quando outros ramos do Direito sejam capazes de tutelá-los.
b) O Direito Penal brasileiro admite a responsabilização da Pessoa Jurídica, mas é necessária a ocorrência da chamada “dupla imputação”.
c) Pelo princípio da culpabilidade, toda a responsabilidade penal é objetiva, sem que seja necessário demonstrar uma vinculação subjetiva entre conduta e resultado.
d) Em razão do princípio da intervenção mínima, é vedado o estabelecimento de penas de caráter perpétuo, de banimento e cruéis.




RESPOSTA: letra B.

3.Relativamente aos princípios de direito penal, assinale a afirmativa incorreta.
a) Não há crime sem lei anterior que o defina.
b) Não há pena sem prévia cominação legal.
c) Crimes hediondos não estão sujeitos ao princípio da anterioridade da lei penal.
d) Ninguém pode ser punido por fato que a lei posterior deixa de considerar crime.
e) A lei posterior que de qualquer modo favorece o agente aplica-se aos casos anteriores.


RESPOSTA: letra C.

4.Assinale a opção correta com base nos princípios de direito penal na CF.
a) O princípio básico que orienta a construção do direito penal é o da intranscendência da pena, resumido na fórmula nullum crimen, nulla poena, sine lege.
b) Segundo a CF, é proibida a retroação de leis penais, ainda que estas sejam mais favoráveis ao acusado.
c) Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação de perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas até os sucessores e contra eles executadas, mesmo que ultrapassem o limite do valor do patrimônio transferido.
d) O princípio da humanidade veda as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, bem como as de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e as cruéis.

RESPOSTA: letra D.

Questões dissertativas:
1.Deve prosperar a alegação da defesa de réus em processo penal segundo a qual o crime previsto no art. 299 do Código Penal seria conduta materialmente atípica em razão dos princípios da fragmentariedade e da adequação social, estando tal crime revogado pelos costumes?


RESPOSTA:
STF - HC 104467/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 8.2.2011.
Art. 229 do CP e princípio da adequação social
Não compete ao órgão julgador descriminalizar conduta tipificada formal e materialmente pela legislação penal. Com esse entendimento, a 1ª Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de condenados pela prática do crime descrito na antiga redação do art. 229 do CP [“Manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fim libidinoso, haja ou não intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.”]. A defesa sustentava que, de acordo com os princípios da fragmentariedade e da adequação social, a conduta perpetrada seria materialmente atípica, visto que, conforme alegado, o caráter criminoso do fato estaria superado, por força dos costumes. Aduziu-se, inicialmente, que os bens jurídicos protegidos pela norma em questão seriam relevantes, razão pela qual imprescindível a tutela penal. Ademais, destacou-se que a alteração legislativa promovida pela Lei 12.015/2009 teria mantido a tipicidade da conduta imputada aos pacientes. Por fim, afirmou-se que caberia somente ao legislador o papel de revogar ou modificar a lei penal em vigor, de modo que inaplicável o princípio da adequação social ao caso.



2.Pessoa que supostamente subtraiu água fornecida por concessionária de serviço público por meio de ligação de água com sua rede e que, posteriormente, pagou o débito apurado, deve ser punida penalmente ou há algum princípio hábil a afastar a necessidade de intervenção do Direito Penal?

RESPOSTA:
STJ - HC 197.601-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 28/6/2011. 
PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. SUBTRAÇÃO. ÁGUA.
O paciente foi denunciado porque se constatou, em imóvel de sua propriedade, suposta subtração de água mediante ligação direta com a rede da concessionária do serviço público. Anote-se que, à época dos fatos, ele não residia no imóvel, mas quitou o respectivo débito. Dessarte, é aplicável o princípio da subsidiariedade, pelo qual a intervenção penal só é admissível quando os outros ramos do Direito não conseguem bem solucionar os conflitos sociais. Daí que, na hipótese, em que o ilícito toma contornos meramente contratuais e tem equacionamento no plano civil, não está justificada a persecução penal. Precedente citado: HC 14.337-GO, DJ 5/8/2002.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Barrada no baile por um vestido não muito longo...


SENTENÇA DE TUBARÃO (SC) EM QUE MÃE E FILHA FORAM
BARRADAS EM FESTA DE GALA

Autos n° 075.99.009820-0/0000
Ação: Reparação de Danos/Ordinário
Autor: Juliana Souza Soratto Repr. p/ mãe Rita de Cássia Souza Silva
Réu: Clube 7 de julho
Vistos, etc.

Juliana Souza Soratto, representada por sua mãe Rita de Cássia Souza Silva, ingressou com Ação de Indenização por Danos Morais contra Clube 7 de Julho, todos qualificados.

Aduz na inicial ter sido barrada na entrada de um baile, quando sofreu danos morais. Pleiteia uma indenização. Deu à causa o valor de R$5.440,00. Juntou documentos. Recebida a inicial, foi registrada e autuada.

Citado, o requerido respondeu, via contestação, quando suscitou preliminar e combateu o mérito. Alega que tratava-se de um baile de gala e que a requerente não estava devidamente trajada. Imputa à mãe da requerente o escândalo ocorrido e, ainda, que a mesma participou, normalmente, do baile. Houve impugnação.

Realizada audiência de conciliação sem êxito. Saneador proferido no ato. Designada audiência de instrução e julgamento. Tomou ciência o Ministério Público.

Realizada a audiência de instrução e julgamento, com o depoimento das partes e testemunhas.

Alegações finais por memoriais, quando as partes analisaram as provas e requereram, respectivamente, a procedência e a improcedência da demanda. O Ministério Público manifestou-se pela improcedência da pretensão inicial. Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório. Decido. Excurso.

No Brasil, morre por subnutrição uma criança a cada dois minutos, mais ou menos. A população de nosso planeta já ultrapassou seis bilhões de pessoas e um terço deste contingente passava fome, diariamente. A miséria se alastra, os problemas sociais são gigantescos e causam a criminalidade e a violência generalizada. Vivemos em um mundo de exclusão, no qual a brutalidade supera com larga margem os valores humanos. O Poder Judiciário é incapaz de proporcionar um mínimo de Justiça Social e de paz a sociedade. E agora tenho de julgar um conflito surgido em decorrência de um vestido. Que valor humano importante é este, capaz de gerar uma demanda jurídica?

Moda, gala, coluna social, são bazófias de uma sociedade extremamente divida em classes, na qual poucos usufruem da inclusão e muitos vivem na exclusão. Mas, nos termos do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, cabe ao Poder Judiciário julgar toda e qualquer lesão ou ameaça a direito. É o que passo a fazer.

Da preliminar.

As questões preliminares são referentes às matérias processuais, que inviabilizam a tramitação normal do feito. No presente caso, a preliminar argüida refere-se ao mérito, ou seja, a possível "ausência de qualquer situação que caracterizasse constrangimento, vergonha ouhumilhação para a Autora". (29)

Isto refere-se aos fatos e não diz respeito a questões preliminares. Portanto, como preliminar, indefiro o pedido, pois o mesmo será analisado no mérito.

Do Mérito.

A celeuma refere-se ao fato de a requerente ter sido barrada na entrada de um baile provido pelo requerido. Segundo este, aquela não estava devidamente trajada, pois, nos termos do convite de fls. 11, o traje exigido era de "Gala a Rigor (smoking preto e vestido longo)", e a indumentária utilizada no dia, pela requerente (fotografias de fls. 12), não se enquadrava neste conceito. Já a requerente alega que sim, seu traje era adequado.

Pelas testemunhas inquiridas, vê-se que os fatos não foram além disto, até a presença da mãe da autora, que "esquentou" a polêmica, dando início a um pequeno escândalo, pois exigia o ingresso de sua filha, o que, aliás, acabou ocorrendo, pois ela participou, normalmente, do baile.

Diante destes fatos, o julgamento da lide cinge-se a verificar se o fato de a autora ser barrada na entrada do baile constitui-se em um ilícito capaz de gerar danos morais.

Um primeiro problema que surge é saber enquadrar o conceito de traje de gala a rigor, vestido longo, aos casos concretos, ou seja, aos vestidos utilizados pelas participantes do evento. Nesta demanda, a pessoa responsável pelo ingresso no baile entendeu, em nome do requerido, que o vestido da autora não se enquadrava no conceito. Já a autora e sua mãe entendem que sim.

Como determinar quem tem razão? Nomear um estilista ou um colunista social para, cientificamente, verificar se o vestido portado pela autora era ou não de gala a rigor? Ridículo seria isto.

Sob meu ponto de vista, quem consente com a futilidade a ela está submetida. Ora, no momento que uma pessoa aceita participar destes tipos de bailes, aliás, nos quais as indumentárias, muitas vezes, se confundem com fantasias carnavalescas, não pode, após, insurgir-se contra as regras sociais deles emanadas. Se frívolo é o ambiente, frívolos são todos seus atos.

Na presente lide, nada ficou provado em relação ao requerido, salvo o fato de que a autora foi impedida, inicialmente, de entrar no baile, sendo, posteriormente, frente às atitudes de sua mãe, autorizada a entrar. Não há prova nos autos de grosserias, ou melhor, já que fala-se de alta sociedade, falta de urbanidade, impolidez ou indelicadeza por parte dos funcionários do requerido.

Apenas entenderam que o traje da autora não se enquadrava no conceito de gala a rigor e, por conseguinte, segundo as regras do baile, sua entrada não foi permitida. Isto, sob meu julgamento, não gera danos morais, pois não se trato de ato ilícito. Para quem tem preocupações sociais, pode até ser um absurdo o ocorrido, mas absurdo também não seria participar de um evento previamente organizado com regras tão estultas?

A pretensão inicial é improcedente, pois nos termos do art. 333, I, do CPC, a autora não comprovou qualquer ato ilícito do requerido capaz de lhe causar danos morais.

Para finalizar, após analisar as fotografias juntadas aos autos, em especial as de fls. 12, não posso deixar de registrar uma certa indignação de ver uma jovem tão bonita ser submetida, pela sociedade como um todo, incluindo-se sua família e o próprio requerido, a fatos tão frívolos, de uma vulgaridade social sem tamanho. Esta adolescente poderia estar sendo encaminhada nos caminhos da cultura, da literatura, das artes, da boa música. Poderia estar sendo incentivada a lutar por espaços de lazer, de saber e de conhecimento. Mas não. Ao que parece, seus valores estão sendo construídos pela inutilidade de conceitos e práticas de exclusão.

Cada cidadão e cidadã é livre para escolher seu próprio caminho. Mas quem trilha as veredas das galas de rigor e das altas sociedades, data venia, que aceite seu tempos e contratempos, e deixe o Poder Judiciário cuidar dos conflitos realmente importantes para a comunidade em geral.

Pelo exposto, julgo improcedente a pretensão inicial e condeno a requerente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, em R$ 1.000,00.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Tubarão, 11 de Julho de 2002.
Lédio Rosa de Andrade
Juiz de Direito

domingo, 2 de dezembro de 2012

Bandeira de Mello e Mensalão

"FLEXIBILIZAÇÃO DE PROVAS"

Julgamento do mensalão foi "um soluço na história do Supremo", diz Bandeira de Mello


Felipe Amorim - 28/11/2012 - 18h18

Na opinião do jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, o julgamento do mensalão "é um soluço na história do Supremo Tribunal Federal". Para o renomado especialista em Direito Administrativo, a Suprema Corte do país não vai repetir em outros casos a mesma "flexibilização de provas" utilizadas para fundamentar a sentença: "não se condenará mais ninguém por pressuposição". Cético quanto à postura de alguns ministros na condução da Ação Penal 470, o jurista avalia que garantias básicas foram transgredidas, em um julgamento fortemente influenciado pelo furor do que chamou de "opinião publicada", difundida por jornais e revistas que formam um verdadeiro "cartel", na sua visão.

Para melhorar a dinâmica do STF, ferramenta útil seria a fixação de um mandato de oito anos para que cada magistrado exerça o cargo. “Tanto somos chamados de excelência, que o camarada acaba pensando que ele é a excelência”, lembrou. Embora há muito ouvida de um colega antigo e ex-membro da Suprema Corte, a frase veio à memória do administrativista ao defender a fixação do mandato rígido. Perguntado sobre como aperfeiçoar o modelo da mais alta corte do país, confessa, no entanto, ter mais dúvidas do que certezas. Ao mesmo tempo em que não consegue definir qual o melhor processo para escolha dos novos ministros, Bandeira de Mello é assertivo ao sugerir que o plenário deveria ter um número maior de juízes de carreira entre o colegiado: são eles quem, “desde meninotes”, têm a convicção de serem imparciais e alheios às influências.

Reconhecidamente um dos maiores nomes de Direito Administrativo do país, Celso Antônio Bandeira de Mello foi responsável por encerrar o seminário Direito Público na atualidade: diálogos latino-americanos, que ocorreu na última terça-feira (27/11), na sede da Escola da AGU (Advocacia-Geral da União), em São Paulo. À vontade na mesa de debate, onde não raras vezes era reverenciado pelos colegas palestrantes no evento — entre eles, um jurista argentino e um professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade de São Paulo) —, Bandeira de Mello foi otimista ao especular sobre um futuro “risonho” do Direito Público no país. Nesse cenário, o cidadão deverá participar e interferir ainda mais diretamente nas decisões do Poder Público. “Hoje, as audiências públicas servem apenas para uma meia dúzia de pessoas que vão, mas elas chegarão a servir a todos”, aposta.
Em um dia inspirado para fazer projeções, Bandeira de Mello também indicou que o futuro da humanidade está em países nórdicos como Dinamarca, Noruega e Finlândia. “Eles revelam a visão de mundo mais evoluída. Não há ricos e pobres”, comentou o jurista, impressionado com o que testemunhou quando visitou a região escandinava. Passeando pelo interior dos países, Bandeira de Mello achou curioso que todos respeitavam religiosamente o limite de velocidade nas estradas mesmo sem que houvesse nenhum tipo de fiscalização. Aliás, percebeu também que havia pouquíssimos policiais nas ruas e que imigrantes confraternizavam à vontade com os nativos nas praças públicas. “Meu Deus, isso é que é civilização”, concluiu, digerindo tudo o que viu. “Se a sociedade continuar caminhando ela vai chegar nesse ponto, em que as pessoas se respeitam e onde está banida ao máximo a crueldade”, disse, admirado.

Embora rechace a alcunha de “um formalista kelseniano”, Celso Antônio Bandeira de Mello reconhece que sofreu (e sofre) grandes influências “deste que foi o maior jurista da história”. Para encerrar a sua fala, o administrativista extraiu de Hans Kelsen um trecho sintomático — e que também dialoga com a sua visão sobre o julgamento do mensalão, especialmente no que se refere à falta de provas alegada pela defesa dos réus. “Do fato de uma coisa ser, não se segue que deva ser. Do fato de que uma coisa deva ser, não se segue que será”. Instigado pela epígrafe, Bandeira de Mello lembra que é preciso ter em mente que a aplicação do Direito está permeada e tisnada pelas condicionantes psicológicas, sociais, políticas e pessoais. Isto é, embora o Direito fixe padrões ideais de convivência e conduta, sua interpretação terrena não pode ser vista como isolada e alheia às imperfeições do mundo em que vivemos.
Após o evento, Bandeira de Mello — sobrenome símbolo de uma família que há cinco gerações está intrinsicamente ligada ao Direito — falou ao Última Instância sobre mensalão, excesso de exposição dos juízes, composição do Supremo e também sobre a crise deflagrada recentemente na PUC-SP, universidade da qual integra o corpo docente. Perguntado sobre as eleições na OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de São Paulo), o jurista inscrito na Ordem declarou convictamente o seu voto em Alberto Zacharias Toron, que encabeça uma das chapas de oposição. Leia a íntegra da entrevista:

Última Instância — Com a fixação das penas, chegamos à reta final do julgamento da Ação Penal 470. Como o senhor enxerga o julgamento?
Bandeira de Mello —
O mensalão, na minha visão, não era mensalão porque não era mensal. Isso foi a visão que a imprensa consagrou. Em segundo lugar, entendo que foram desrespeitados alguns princípios básicos do Direito, como a necessidade de prova para condenação, e não apenas a suspeita, a presunção de culpa. Além disso, foi violado o princípio do duplo grau de jurisdição.

Há um mês atrás, um juiz mineiro decidiu anular os efeitos da Reforma da Previdência. Ele citou textualmente o julgamento no STF para alegar que a compra de votos foi comprovada e que, portanto, a reforma seria inconstitucional. É possível anular atos do Legislativo com base na tese do mensalão?
Bandeira de Mello — 
Se é com base no mensalão, não. A Reforma da Previdência pode ser censurada por outros aspectos, mas não por causa do mensalão. Acho que a chance de anular atos legislativos aprovados durante o escândalo é zero. Isto, pois há um impedimento jurídico de que quando um colegiado decide, quem decidiu foi o colegiado como um todo e não os membros do colégio. É por isso que, se um indivíduo tem o mandato invalidado, porque ele foi ilegalmente investido, isso não afeta em nada [a validade dos atos].

O senhor se considera amigo do ex-ministro do Supremo Carlos Ayres Britto?
Bandeira de Mello — 
Ele é como um irmão.

Como avalia o mandato do ministro à frente da presidência do STF?
Bandeira de Mello — 
Não posso avaliar isso. Como vou falar a respeito dele? Ele é muito mais do que um amigo.

Sua gestão no Supremo se encerrou na semana passada, em função da aposentadoria compulsório dos que atingem 70 anos de idade. O senhor achou que a presidência de Ayres Britto foi curta demais?
Bandeira de Mello — 
Eu não posso dizer que foi curto demais, porque eu acho que ninguém devia ser ministro por mais de oito anos. Na minha opinião, o Supremo devia ter mandato fixado; oito anos, no máximo. Certa vez, ouvi de um ministro a seguinte frase: “tanto somos chamados de excelência, que o camarada acaba pensando que ele é excelência”.

Quanto ao processo de indicação dos novos ministros, qual é o melhor modelo?
Bandeira de Mello — 
Não há nada mais difícil do que imaginar um bom processo de escolha. No passado, já sugeri que a escolha fosse feita através de um processo de eleição entre todos os juízes do Brasil. Mas, nem mesmo isso, eu me atrevo a dizer que será o ideal. Porque isso é capaz de politizar tanto, criar tantos grupos de partidários, que o mérito do candidato pode também ficar em segundo plano.

Como deve ser o Supremo Tribunal Federal, então?
Bandeira de Mello — 
Hoje eu tenho poucas ideias a respeito de como deve ser o Supremo. Uma delas é o mandato de oito anos. A outra: o número de juízes de carreira devia ser maior entre os ministros. Obrigatoriamente, deveria haver um número mínimo de juízes de carreira, porque os juízes têm dentro de si, desde quando se formam, a convicção de que devem ser imparciais e alheios, o máximo possível, das influências. Devia haver um número mínimo obrigatório, eu colocaria pelo menos dois terços de juízes de carreira. Porque o juiz de carreira é diferente dos outros. Mesmo que você goste ou desgoste da maneira como ele julga, deve reconhecer que ele tem um viés isento. Por exemplo, o ex-ministro Cezar Peluso. As pessoas podiam gostar ou não gostar das tendências pessoais dele, mas todos reconheciam que era um homem aplicadíssimo, conhecia os processos em pauta como ninguém. Ele era um homem com uma isenção absoluta, e isso é típico do juiz.

O senhor considera exagerada a publicidade que alguns magistrados recebem ao exercer suas funções jurisdicionais?
Bandeira de Mello — 
Antigamente, se dizia que o “juiz só fala nos autos”. Eu acho que o juiz devia ser proibido de dar entrevistas. E não só os ministros do Supremo — mas eles é que parecem que gostam.

Qual é a sua impressão da postura do relator Joaquim Barbosa ao longo do julgamento?
Bandeira de Mello — 
Eu não gostei. Achei uma postura muito agressiva. Nele não se lia a serenidade que se espera de um juiz. Inclusive, em relação aos colegas, ele tinha que ter uma atitude de maior urbanidade em relação aos colegas. E no caso do Lewandowski, ele é um príncipe. Um homem de uma educação e uma finura monumental. É quase que inacreditável que Barbosa tenha conseguido fazer um homem como Lewandowski perder a paciência.

Recentemente, o grão-chanceler da PUC-SP, o cardeal Dom Odilo Scherer, usou do artifício da lista tríplice para nomear a próxima reitora da universidade. O cardeal escolheu a terceira candidata mais votada nas eleições da comunidade. Na posição de professor da Faculdade de Direito e filho do primeiro reitor leigo (não vinculado à Igreja) da universidade, como o senhor enxerga essa decisão?
Bandeira de Mello — 
Eu avalio que o cardeal exerceu um direito dele. O estatuto diz que o método é uma lista tríplice. Vou mais longe: os candidatos não poderiam ter dito que não aceitariam se não fossem o primeiro, pois isso equivaleria a dizer que o cardeal só pode nomear o primeiro da lista tríplice. E isto não existe, eles estariam violando o direito do cardeal escolher entre três. E eu acho que o cardeal tem esse direito, porque está escrito. Nós podemos não gostar.

A decisão é legítima?
Bandeira de Mello — 
Não existe esse negócio de ilegítimo, na minha opinião. Ou é legal, ou não é legal. Mas só podemos falar em ilegítimo no sentindo em que ele aparece como imoral. E eu não acho imoral, escolher entre os três mais votados, se o estatuto presente permite. Se o estatuto considera, eu não vejo como imoral poder escolher entre o que mais te agrada, acho legítimo.

sábado, 24 de novembro de 2012

Programa de Direito Penal I

Olá, pessoal.

A ementa da disciplina Penal I está desatualizada no site da faculdade. A seguir você confere a ementa atualizada

Vamos tentar segui-la com a maior precisão possível. Vale acompanhar.
 
Unidade I – Introdução ao estudo do Direito Penal
1.1 Conceito de Direito Penal
1.2 Direito Penal e controle social: processo de criminalização

1.3 O direito de punir
    a) Evolução histórica do Direito Penal
    b) O direito de punir e o Estado de Direito: Garantismo Penal.
1.4 Teorias sobre as funções da pena.
Unidade II - Fontes do Direito Penal
2.1 A lei: norma, tipo e tipicidade penal
2.2 Os princípios fundamentais do Direito Penal: princípios penais de garantia
Unidade III - Teoria da Norma Penal
3.1 A Lei Penal no tempo: princípios e regras aplicáveis
3.2 Aplicação da lei penal nos crimes permanentes, habituais, instantâneos e instantâneos de efeitos permanentes
3.3 leis penais em branco
3.4 Interpretação extensiva e restritiva
3.5 A analogia em matéria penal
3.6 Conflito aparente de normas
3.7 A Lei Penal no espaço: princípios e regras aplicáveis

Unidade IV - Tipicidade
4.1 Conceito material, formal e analítico de crime
4.2 Teorias sobre a ação e teorias sobre a culpabilidade
4.3 Crime doloso e crime culposo: elementos e espécies
4.4 resultado jurídico e material do crime
4.5 Relação de causalidade: crimes comissivos e omissivos
4.6 Superveniência causal e concausas
4.7 Teoria da imputação objetiva e funcionalismo
4.8 Tipicidade: formal, material e conglobante
4.9 Responsabilidade penal objetiva e subjetiva
4.10 Crime preterdoloso e agravação do resultado
Unidade V - Ilicitude
5.1 Conceituação e causas de exclusão
5.2 Tipo de injusto  e tipo total de injusto
5.3 Legítima defesa
5.4 Estado de necessidade
5.5 Estrito cumprimento do dever legal
5.6 Exercício regular de direito
5.7 Consentimento do ofendido
Unidade VI - Culpabilidade
6.1 Conceituação, elementos e teorias
6.2 Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica
6.3 Excludentes da culpabilidade
    a) Inimputabilidade: menoridade penal, doença mental ou desenvolvimento retardado ou incompleto
    b) culpabilidade
    c) coação moral irresistível
    d) obediência hierárquica
    e) embriaguez e substâncias de efeitos análogos
    f) emoção e paixão: repercussões penais
    g) causas supralegais de exclusão da culpabilidade
6.4 Erro de tipo: erro essencial e erro acidental
6.5 Descriminantes putativas
6.6 erro de proibição e desconhecimento da lei
Unidade VII - Etapas de realização do crime
7.1 Crime tentado e consumado: iter criminis
7.2 Tentativa: elementos e espécies
7.3 Consumação: crimes comissivos, omissivos, permanentes, habituais, formais, materiais e de mera conduta
7.4 Desistência voluntária e arrependimento eficaz
7.5 Arrependimento posterior
7.6 Crime impossível

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Retirado de "Carta Maior": http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20884

13/09/2012

As “inovações” que geram polêmica no julgamento do “mensalão”

Em curso há 40 dias, o julgamento da ação penal 470, o “mensalão”, tem provocado polêmica, em função de novas práticas metodológicas adotadas pelo STF e, principalmente, da forma diferenciada com que os ministros têm reinterpretado doutrinas até então tidas como pacificadas. Do fatiamento dos votos ao alargamento da abrangência dos crimes de colarinho branco, as mudanças em curso são expressivas. Confira o resumo das principais delas.

Brasília - Em curso há 40 dias, o julgamento da ação penal 470, o “mensalão”, tem provocado polêmica, em função de novas práticas metodológicas adotadas pelo Supremo Tribunal de Justiça (STF) e, principalmente, da forma diferenciada com que os ministros têm reinterpretado doutrinas até então tidas como pacificadas. Do fatiamento dos votos ao alargamento da abrangência dos crimes de colarinho branco, as mudanças em curso são expressivas.

Confira aqui o resumo das principais delas:

O não desmembramento
Pela lei, tem direito à prerrogativa do foro privilegiado no STF apenas políticos em cumprimento do mandato. No caso dos réus do “mensalão”, eram três. Mas o MPF denunciou 38 na ação que chegou à Corte máxima. E a Corte entendeu por bem julgá-los todos em conjunto, sob os holofotes da mídia. Já no caso do “mensalão do PSDB”, o desmembramento foi aceito e cada qual responderá na instância que lhe compete: o ex-governador Eduardo Azeredo no STF e os demais nas instâncias inferiores.

Fatiamento
A divisão do julgamento em blocos, proposta pelo relator Joaquim Barbosa e aceita pela maioria dos demais ministros, pode ser entendida como um meio mais fácil de construir a condenação dos reús. Ela segue a lógica da acusação, mas em uma ordem própria. O relator começou pelo capítulo 3º da denúncia, pulou para o 5º, voltou ao 4º e, na sequência, promete julgar o 6º, o 7º e o 8º, para só depois retornar ao 2º, que trata do núcleo político. Assim, ele decide quem é julgado primeiro e vai tecendo o ambiente necessário, com uso de indícios, presunções e meios de prova produzidos na fase de inquérito, para condenar os réus contra os quais não há provas judicializadas (produzidas dentro da instrução criminal, sob a fiscalização de magistrado). Esse método de valoração da prova, dando maior relevo àquela não judicializada, de fato, é algo que pode ser considerado como diferente no processo penal. Os ministros têm justificado essa forma de valoração da prova em razão da natureza dos delitos.

Indício e presunção como meio de prova
Antes, indício era um meio de prova de valor menor. Agora, ao lado do uso das presunções, foi utilizado como meio de prova suficiente para a condenação penal. A defesa desta tese foi enfatizada pelo ex-ministro Cezar Peluso, no último voto que proferiu antes da sua aposentadoria. Para ele, não há hierarquia entre as chamadas provas diretas e o indício. “O sistema processual, não só o processual penal, assevera que a eficácia do indício é a mesma da prova direta ou histórico-representativa”, disse.

Individualização das condutas
Como os réus são julgados em blocos, há casos em que a individualização das condutas fica prejudicada. Os advogados reclamam, por exemplo, que Marcos Valério e seus sócios são sempre condenados em conjunto, sem a devida análise da participação individual de cada um nos crimes em pauta. Há receio de que o modelo possa se perpetuar em outros blocos.

Corrupção ativa
Antes, era preciso comprovar um “ato de ofício” para condenar alguém por corrupção ativa, como alegado no julgamento da ação penal 307, que inocentou Collor de Mello. Neste novo modelo inaugurado no “mensalão”, entende-se comprovado o “ato de ofício” por meio da valoração de indícios e presunções. Nas palavras da ministra Rosa Weber, “nos delitos de poder, quanto maior o poder ostentado pelo criminoso, maior a facilidade de esconder o ilícito. Esquemas velados, distribuição de documentos, aliciamento de testemunhas. Disso decorre a maior elasticidade na admissão da prova de acusação”.

Corrupção passiva
A mudança diz respeito, segundo a defesa, principalmente, à destinação da vantagem recebida, antes tratada como pressuposto para configuração do crime. No “mensalão”, os ministros entenderam que não importa se os R$ 50 mil recebidos por João Paulo Cunha provinham de caixa dois do PT para pagar uma dívida de campanha ou se de suborno para favorecer as agências de Marcos Valério na licitação da Câmara. O fato dele tê-los recebido de uma agência de publicidade sem justificativa razoável, aliado ao contrato firmado pela agência poucos dias depois, foi suficiente para comprovar a corrupção passiva.

Peculato
No caso do crime de peculato, caiu a necessidade da comprovação de que os recursos desviados eram públicos: vários ministros destacaram que, mesmo que a integralidade dos recursos do Fundo Visanet fosse privada, o peculato estava configurado, porque eles foram desviados por um agente público no exercício da função pública: o ex-diretor de Marketing do BB, Henrique Pizzolato.

Lavagem de dinheiro
É a maior polêmica e continuará a ser discutida no próximo bloco, quando os ministros analisarão os saques feitos na boca do caixa. Pelo entendimento pacificado até antes do “mensalão”, a materialidade da lavagem de dinheiro pressupunha ao menos duas etapas: a prática de um crime antecedente e a conduta de ocultar ou dissimular o produto oriundo do ilícito penal anterior. A entrega dos recursos provenientes dos “empréstimos fictícios” do Banco Rural foi considerada lavagem, e não exaurimento do crime antecedente de gestão fraudulenta de instituição financeira.

Da mesma forma, e por apenas um voto de diferença, o saque do dinheiro na boca do caixa foi considerado lavagem, e não exaurimento do crime de corrupção. Para os advogados, esse novo entendimento superdimensionará o crime de lavagem, já que sempre que alguém cometer qualquer delito com resultados financeiros e os entregar a outro, incorrerá, automaticamente, nesta prática.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Para criminalistas, Supremo aderiu ao Direito Penal Máximo

Confira o artigo a seguir, retirado de http://www.conjur.com.br/2012-set-27/supremo-mudou-julgar-mensalao-ou-mensalao-mudou-supremo#autores

Para criminalistas, STF aderiu ao direito penal máximo

O Supremo Tribunal Federal mudou para julgar o mensalão ou o mensalão mudou o Supremo? Os ministros da corte negam, mas os advogados criminalistas não hesitam em afirmar: o tribunal mudou seus paradigmas para condenar os réus da Ação Penal 470, o processo do mensalão. Levados por irresistível corrente condenatória, afirmam os advogados, os ministros optaram por um retrocesso em que se atropelaram princípios constitucionais construídos ao longo dos últimos anos.

Para o procurador de Justiça Lenio Streck, em um primeiro momento, é possível reconhecer razão aos advogados que entendem haver um retrocesso em relação a posições consolidadas pela jurisprudência do STF, na medida em que há um endurecimento por parte do Tribunal no julgamento de determinadas condutas. Todavia, lembra o jurista que novos tempos podem exigir novas respostas por parte do Judiciário.
A grande questão que se coloca, então, é saber se esse endurecimento se mostra necessário em face do tipo de criminalidade que é objeto de julgamento. Nesse caso, a alteração de rota na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal deve ser analisada no contexto da resposta que o Judiciário deve dar à sociedade. Parece estar havendo uma accountabillity do STF em face de uma certa demanda contra a impunidade. Se isso é bom ou ruim, é uma coisa que teremos que avaliar. Para o jurista "o grande problema é que a doutrina tem sido pouco ouvida. Talvez, por isso, esteja sendo pega de surpresa". Em arremate, indaga: "Não está na hora de a doutrina se tornar protagonista?".

Ainda não se sabe o quanto a releitura das regras penais afetará, doravante, a forma de aplicar Justiça no país. Mas a partir do momento em que a tipicidade de um delito deixa de ser rigorosamente exigida para a condenação, o STF fixa um novo paradigma regulatório. Mais: ao admitir o ato de ofício presumido e adotar o “domínio do fato” como responsabilidade objetiva, os ministros teriam se aproximado, perigosamente do direito penal de autor. Ou seja: admitir-se que alguém possa ser punido pelo que é, e não pelo que fez.
Críticas igualmente eloquentes são feitas à redefinição do que seja a lavagem de dinheiro — que para o ministro Joaquim Barbosa parece prescindir de crime antecedente. Ou, ainda, que qualquer uso que se dê a verbas de origem ilícita configure lavagem. Os mais pessimistas, em seu desapontamento com a doutrina que se insinua, anunciam o fim do garantismo, o rebaixamento do direito de defesa e o avanço da noção da presunção de culpa em vez de inocência.

Tristeza cívica
O ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil nacional e da seccional paulista José Roberto Batochio lamenta o movimento. "É tomado de tristeza cívica que assisto se perderem valores tão caros às liberdades no vórtice desse movimento punitivo sem limites que a tudo arrasta."

Um criminalista ouvido pela reportagem da revista Consultor Jurídico, mas que preferiu não ser identificado, afirma que o problema legal trazido pelo julgamento do mensalão é "objetivamente a questão do acavalamento de delitos". O maior problema, diz, não está nem dentro da Ação Penal 470 , mas no futuro. "No curso dessa ação penal, é observada uma sobreposição de crimes em relação a um mesmíssimo fato. O grande dilema e herança negativa do julgamento talvez venha a ser a ausência de definição dos elementos nucleares em cada um dos crimes. Onde acaba a corrupção e onde começa a lavagem?", questiona. Para o criminalista, não se nega a possibilidade de que os crimes tenham sido cometidos simultaneamente, "mas é necessário mostrar como eles se distinguem".

O advogado afirmou também que, com a sobreposição de imputações, é colocada em dúvida a própria "identidade" do crime de lavagem de dinheiro. "Quem se corrompeu e recebeu dinheiro tem que ir para a cadeia porque é corrupto, e não por ter lavado dinheiro. O ladrão que rouba um banco, leva a quantia para casa e a dissipa não está lavando dinheiro", disse o criminalista.

Lavagem culposa
Para o advogado, a forma como os ministros passaram a interpretar as imputações por lavagem pode dar margem para se acusar de lavagem de dinheiro qualquer crime em que valores ilícitos não sejam declarados ao fisco. "Quando não se distinguem elementos nucleares de cada ação humana, corre-se o risco de entender que aquilo que deveria ser apenas um crime de sonegação fiscal, praticado no âmbito da empresa, pode se tornar facilmente uma espécie de 'três em um'. Isto é, com a ampliação interpretativa de organizações criminosas, sendo a sonegação fiscal – o caixa dois – o antecedente de lavagem, é muito provável que tenhamos todas as três imputações presentes: sonegação, formação de quadrilha e lavagem", observou.

Essa "nova interpretação", no entendimento do advogado Luciano Feldens, professor de Direito Penal da PUC-RS e advogado de Duda Mendonça, forçaria um acusado de corrupção a declarar o dinheiro ilícito."Sob uma perspectiva teórica e transcendente a qualquer caso específico, há uma questão fundamental que não pode passar despercebida no debate sobre o delito de lavagem de capitais: "gastar" dinheiro sujo não equilave a "lavar" dinheiro. A lavagem, enquanto delito, exige, por imposição do tipo penal, um processo de ocultação e dissimulação da origem do dinheiro ilicitamente havido, em ordem não apenas a recolocá-lo no sistema econômico-financeiro, mas a recolocá-lo em tal ambiente com nítida aparência de haver sido licitamente auferido. Do contrário — ou seja, se compreendermos a simples utilização (gasto) do dinheiro como conduta abraçada pelo tipo penal —, só não haveria o delito de lavagem de dinheiro quando o agente, em paradoxal atitude, declarasse ao Estado o dinheiro oriundo do crime antecedente (corrupção, sonegação, roubo, sequestro, etc)".

Ele avalia também que a eventual influência da ampliação do entendimento do que é crime de lavagem pode se estender à fase de investigações. "Fica muito fácil, pelo menos no inquérito policial, afirmar que se está investigando sonegação fiscal e também quadrilha, porque o corpo diretivo da empresa é composto por mais de três pessoas, e também lavagem, porque a quantia foi ocultada", aponta.

Outros criminalistas ouvidos pela ConJur concordam com a avaliação de mudança de interpretação do STF na distinção do dolo entre imputações distintas nos crimes de corrupção. "O próprio ministro Ricardo Lewandowski [revisor do julgamento] afirmou que não concebia dolo eventual no crime de lavagem de dinheiro, que é um crime doloso, como já havia reiterado o ministro Cezar Peluso em seu derradeiro voto ao se despedir da corte”, disse um deles. Um outro criminalista observa que, deste modo, os ministros “estão criando a figura da lavagem culposa ao aplicar a teoria da cegueira deliberada sem que se observe limites ou restrições”.

Os advogados ouvidos pela reportagem consideram ainda que o STF estaria indo além de decidir que o fato de ocultar a origem do dinheiro caracteriza por si crime de lavagem. “Ao não depositar a quantia em conta de sua titularidade, o réu já estaria procedendo com a ocultação. Isto é, a ausência de consignação que indique que o dinheiro pertence ao réu, além de mostrar que o valor é ilícito, constitui também lavagem”, aponta um dos advogados. “Em outras palavras, a confissão está se tornando obrigatória”.

Como resumiu o criminalista Celso Vilardi, "a lavagem firmada no STF é lavagem jabuticaba: só existe no Brasil". "A era Pertence, prestigiada mesmo depois de sua aposentadoria pelos inúmeros precedentes incentivados pelo ministro Gilmar Mendes, acabou", lamentou.

Segundo Marcelo Leonardo, advogado do publicitário Marcos Valério e professor de Direito Processual Penal da UFMG, "é lamentável o STF abrir mão das garantias constitucionais do devido processo legal e do contraditório para se submeter ao "Direito Penal da mídia", que não se preocupa com os princípios da reserva legal e da taxatividade tão relevantes para o Direito Penal e o garantismo, conquistas do estado democrático de direito".

Inovação da matéria de fato
O exemplo da condenação do ex-vice-presidente do Banco Rural Vinícius Samarane talvez seja o mais ilustrativo da questão do risco de se incorrer em responsabilidade penal objetiva em relação a alguns dos acusados na numerosa relação de réus da Ação Penal 470. Citada pelos advogados durante a fase de sustentação oral e repudiada em Plenário pelos ministros durante a atual fase do julgamento, a matéria voltou a ser trazida à discussão pelo ministro Ricardo Lewandowski, ao votar pela absolvição de alguns dos réus ligados ao Partido Popular (PP) e ao antigo Partido Liberal (PL).

Antes, no julgamento do item anterior, apenas Lewandowski e o ministro Marco Aurélio votaram pela absolvição de Vinícius Samarane. Citaram, justamente, o argumento do risco de se incorrer em responsabilidade penal objetiva. Samarane era diretor estatutário do Banco Rural na época dos acontecimentos descritos pela denúncia e, fora os depoimentos do ex-superintendente do banco Carlos Godinho, que falou que pareceres técnicos em desfavor à concessão dos empréstimos "morriam" na direção estatutária, não há provas diretas de que o réu tenha participado da concessão de empréstimos fraudulentos.
Por dispor, em tese, do chamado “domínio funcional do fato”, decorrente da função que exercia, cabia a Samarane, na visão dos ministros que votaram por sua condenação, ter conhecimento das ilegalidades e até mesmo impedi-las. Na perspectiva da teoria do domínio do fato, cabe avaliar se os crimes ocorreriam independente da presença do réu. Se a resposta for positiva, o réu poderia ser considerado inocente. É o caso, para alguns ministros, da gerente financeira da SMP&B Propaganda Geiza Dias, absolvida por maioria.

"É a teoria do domínio funcional do fato levado além do extremo. Algo que até os mais radicais funcionalistas ficariam supresos com seu alcance nessas condenações lavradas na essência do domínio do fato", disse outro criminalista ouvido pela ConJur na condição de anonimato. "Samarane foi condenado por não ter evitado o fato quando, na condição de diretor, devia e podia tê-lo feito. Mas a denúncia, em nenhum momento, atribui ao réu a conduta de comportamento omissivo", observa. "Isso representaria uma expressiva e inconcebível inovação da matéria de fato. Seria necessário apontar a responsabilidade penal por omissão."

Em artigo publicado na revista Consultor Jurídico, Lenio Streck já havia alertado sobre o problema de se transformar a teoria do domínio do fato em "ponderação", ou "em uma espécie de 'argumento de proporcionalidade ou de razoabilidade', como se fosse uma cláusula aberta, volátil, dúctil".
Para Streck, "há algo de novo no ar" com o julgamento do mensalão. "A parcela da doutrina 'mais advocatícia' do Direito, por assim dizer, está sofrendo um revés", observa. "Não significa que o STF esteja necessariamente inovando, mas o que ocorre é que, ao mudar uma postura, a corte pega a comunidade de surpresa. Os advogados parecem que confiavam em um ‘padrão’ de apreciação e não contaram com um conjunto de circunstâncias que circundaram e que circundam esse case."

Contrapartida desvinculada
O criminalista e professor Luiz Flavio Gomes avalia ainda que a visibilidade do julgamento e a pressão da opinião pública contribuem para que a Ação Penal 470 assuma caráter "heterodoxo"."Teses antigas, consagradas na jurisprudência, estão sendo abandonadas." Pondera que "isso decorre, em grande parte, da pressão midiática. Mas não siginifica que as condenações, até aqui, sejam injustas, que tudo o que o tribunal decidiu até este ponto seja absurdo. Porém, naqueles momentos de zona cinzenta, em que se pode ir para um lado ou outro, o Supremo passou a ir pela pressão pública, acolhendo teses que antes não aceitava".
LFG, como é conhecido, acredita que ainda é cedo para concluir, e que só depois do julgamento da parte política da AP 470 é que será possível fazê-lo.

Ato de ofício
Na questão específica do ato de ofício, observadores do julgamento ouvidos pela ConJur disseram que o entendimento de que cabe dispensar a comprovação do ato de ofício não é uma inovação em si. O tribunal, no julgamento do mensalão, na opinião dos especialistas, dá margem para a interpretação de que não é necessário sequer apontar a vinculação causal entre a vantagem indevida e o ato de ofício. "É uma distorção e transfiguração que se imprime ao tipo penal de corrupção ao dispensar mesmo a simples menção ao ato de ofício", disse um deles.

"Não se trata simplesmente de exigir a comprovação da prática concreta do ato de ofício na esfera de atribuições do agente corrompido. No entanto, o Supremo tem acelerado tanto esse julgamento, a ponto de afirmarem que é presincidível, desnecessário, que a denúncia mencione o objeto da barganha da função pública, que motivou a aceitação de uma vantagem indevida", avalia o criminalista. "A vinculação causal, ainda que potencial, entre a vantagem indevida e um ato de ofício é a essência do espírito da norma incriminadora. O que foi dito com todas as letras no Caso Collor, está sendo desdito no atual julgamento", opina.

Mas, na visão do advogado, isso não quer dizer que o Supremo criou uma nova interpretação doutrinária. A tendência, diz, é que o próprio STF rejeite decisões de instâncias inferiores que sigam a linha hoje defendida no julgamento do mensalão. "O próprio Supremo tende a rejeitar, amanhã ou depois, a doutrina que criou para esse caso. Será a confissão sublime e formal que se tratou de um julgamento de exceção. Porém, muitos dos atuais ministros não estarão mais na corte, será um novo tribunal , como uma nova cara e feição."

O advogado Sérgio Renault, ex-secretário da Reforma do Judiciário, trata a mesma dúvida com uma outra ótica: “A questão mais importante a se verificar após o julgamento da Ação Penal 470 é se o novo entendimento do STF se constituirá em nova jurisprudência que será seguida daí por diante ou é um caso pontual, isolado. Se for um caso isolado e se constituir numa exceção, vejo a situação como mais preocupante pois não se deve conceber que o julgamento da mais alta corte do país se dê neste contexto. Se o caso tornar-se uma referência para julgamentos futuros menos mal. Assim, por mais que discordemos, estaremos diante de uma evolução da jurisprudência ou, se quiserem, de um retrocesso mas de qualquer forma de uma processo normal de construção de uma nova jurisprudência”.

Para o advogado Gustavo Teixeira, membro da comissão de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados Brasileiros, é preciso fazer uma distinção entre os ministros do Supremo e o tribunal como um todo. "O viés eminentemente teórico dos processos normalmente julgados pela corte em grau de recurso se contrapõe à análise fática que esse julgamento originário exige e com isso as divergências entre ministros ficam mais evidentes. A unanimidade no reconhecimento de teses é muito mais fácil de ser alcançada do que o consenso na admissão de fatos", explica.

"Casos difíceis geram péssimas jurisprudências", pontua Teixeira, torcendo para que os ministros tenham em mente a peculiaridade do presente processo. "A equivocada interpretação de que não há necessidade de crime antecedente para se configurar a lavagem de capitais certamente não irá prevalecer como corrente dominante, sob pena de sepultarmos princípios caros ao nosso Direito Penal."

Nas palavras do advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira "o Poder Judiciário deverá manter íntegro o princípio da responsabilidade penal subjetiva, pois, do contrário, estará instalada a insegurança jurídica, que alcançará a sociedade, cuja expectativa, hoje, é sempre pela culpa e não pela inocência, esquecendo-se que qualquer de seus membros poderá sentar-se no banco dos réus e que não se faz Justiça apenas quando se condena, mas também quando se absolve".
Rafael Baliardo é repórter da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 27 de setembro de 2012

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Aumentando penas

Diga onde você vai
Que eu vou varrendô
Diga onde você vai
Que eu vou varrendô
Eu vou varrendo, vou varrendo
Vou varrendo, vou varrendo
Eu vou varrendo, vou varrendo
Vou varrendo, vou varrendo
 
Parece que esses versos do Molejão inspiraram não apenas as rodinhas de pagode, mas também o Legislador, que colocou na cabeça - ou no que lhe faça as vezes - que os crimes serão satisfatoriamente combatidos com o aumento de penas.

É que, segundo notíciado pela Folha Online, a Câmara aprovou aumento de pena para o crime de tráfico, quando a substância envolvida for o crack.

O Legislador acha que o crime vai andando, vai andando, e ele vai varrendo, vai varrendo!

Já dá até pra imaginar a repercussão nas ruas: um traficante recebe enorme carregamento de drogas, mas opta por selecionar as drogas que não sejam o crack, pensando em seu futuro - coisa de 20 ou 30 anos pra frente - em nome de uma pena menor.

Afinal, ele tem certeza que será pego. É so uma questão de quanto tempo, porque o sistema é muito eficiente. Então, é disso que ele resolveu cuidar: uma pena maior e, não restam dúvidas, as ruas estarão livres do crack. Nem será necessário que ninguém trabalhe melhor, até porque, como se sabe, todo traficante moderno acompanha as alterações legislativas em seu tablet, dentro ou fora da prisão. E MO-RRE de medo da lei. Isso não é segredo para ninguém.

A seguir, a notícia. Mas e você? Ainda é adepto do aumento de penas para reprimir crimes? Ou já saiu do século XIX?

(Clique aqui para o link da reportagem)
08/08/2012 - 21h53

Câmara aprova aumento de pena para o tráfico de crack

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DE BRASÍLIA
DE SÃO PAULO

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira, em sessão extraordinária, projeto de lei que aumenta a pena de dois terços até o dobro para a prática do tráfico de crack.
A proposta, de autoria do deputado Paulo Pimenta (PT-RS), altera a lei que instituiu o Sisnad (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas), que atualmente prevê pena de 5 a 15 anos para quem praticar o tráfico de drogas.
O projeto aprovado também aumenta a pena de quem induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso de crack, assim como quem produz, compra, vende e transporta sem autorização matéria-prima destinada à preparação de crack. Hoje, a pena prevista para esse tipo de crime é de detenção de 1 a 3 anos.
"Os efeitos da droga sobre o organismo do usuário equipara-se a envenenamento por veneno de alta letalidade", afirma Paulo Pimenta. O deputado pretende equiparar o tráfico de crack ao crime de envenenamento de água potável, que é punido com no mínimo dez anos de reclusão.

DEPENDÊNCIA
Na sessão de hoje, os deputados também aprovaram projeto de autoria do deputado Enio Bacci (PDT-RS), que dobra a pena de quem fornecer a crianças ou adolescentes drogas ou qualquer produto que possa causar dependência física ou psíquica.
A pena será ampliada, no entanto, apenas nos caso que for comprovado o uso da droga pelo jovem.
Atualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece pena para esse crime de 2 a 4 anos de detenção.
"Todos sabemos que hoje a droga é responsável pelo aumento da criminalidade. Quando se fala em homicídios, não podemos esquecer que 80% têm relação com algum tipo de droga, lícita ou ilícita. De cada 10 homicídios, 8 têm envolvimento com drogas", afirmou Bacci no plenário.
Os dois projetos seguem para votação no Senado. (ERICH DECAT)

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Já acabaou. Mas essa é pra você que ficou com saudade da inesquecível "Dança da Vassoura":

Oh menininha eu sou seu fã
Oh menininha eu sou seu fã
Danço contigo até de manhã
Danço contigo até de manhã...(2x)

Na dança da bruxinha
Dança preta, dança loura
Na dança da bruxinha
Dança preta, dança loura
Agora todo mundo
Na dancinha da vassoura
Agora todo mundo
Na dancinha da vassoura...(2x)

Varre prá esquerda
Varre prá direita
Levanta poeira
Que essa dança é porreta...(2x)

Piti pi piti pi piti pau!
Piti pi piti pi piti pau!
Mas tome cuidado
Com o cabo da vassoura
É pior do que cenoura
Você pode se dar mal...(2x)

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O Judiciário é imparcial?

Reproduzo, a seguir, texto publicado na Folha de São paulo.
(Link: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/58791-dois-pesos-e-dois-mensaloes.shtml)

Por Janio de Freitas 

DOIS PESOS E DOIS MENSALÕES
A premissa de serem crimes conexos os atribuídos aos réus do mensalão do PT não valeu para o mensalão mineiro

Na sua indignação com o colega Ricardo Lewandowski, o ministro Joaquim Barbosa cometeu uma falha, não se sabe se de memória ou de aritmética, que remete ao conveniente silêncio de nove ministros do Supremo Tribunal Federal sobre uma estranha contradição sua. São os nove contrários a desdobrar-se o julgamento do mensalão, ou seja, a deixar no STF o julgamento dos três parlamentares acusados e remeter o dos outros 35, réus comuns, às varas criminais. De acordo com a praxe indicada pela Constituição.

Proposto pelo advogado Márcio Thomaz Bastos e apoiado por longa argumentação técnica de Lewandowski, o possível desdobramento exaltou Barbosa: "Essa questão já foi debatida aqui três vezes! Esta é a quarta!" Não era. Antes houve mais uma. As três citadas por Barbosa tratavam do mensalão agora sob julgamento. A outra foi a que determinou o desdobramento do chamado mensalão mineiro ou mensalão do PSDB. Neste, o STF ficou de julgar dois réus com "foro privilegiado", por serem parlamentares, e remeteu à Justiça Estadual mineira o julgamento dos outros 13.

Por que o tratamento diferenciado?
Os nove ministros que recusaram o desdobramento do mensalão petista calaram a respeito, ao votarem contra a proposta de Márcio Thomaz Bastos. Embora a duração dos votos de dois deles, Gilmar Mendes e Celso de Mello, comportasse longas digressões, indiferentes à pressa do presidente do tribunal, Ayres Britto, em defesa do seu cronograma de trabalho.

A premissa de serem crimes conexos os atribuídos aos réus do mensalão petista, tornando "inconveniente" dissociar os processos individuais, tem o mesmo sentido para o conjunto de 38 acusados e para o de 15. Mas só valeu para um dos mensalões.

Os dois mensalões também não receberam idênticas preocupações dos ministros do Supremo quanto ao risco de prescrições, por demora de julgamento. O mensalão do PSDB é o primeiro, montado já pelas mesmas peças centrais -Marcos Valério, suas agências de publicidade SMPB e DNA, o Banco Real. Só os beneficiários eram outros: o hoje deputado e ex-governador Eduardo Azeredo e o ex-vice-governador e hoje senador Clésio Andrade.

A incoerência do Supremo Tribunal Federal, nas decisões opostas sobre o desdobramento, é apenas um dos seus aspectos comprometedores no trato do mensalão mineiro. A propósito, a precedência no julgamento do mensalão do PT, ficando para data incerta o do PSDB e seus dois parlamentares, carrega um componente político que nada e ninguém pode negar.

A Polícia Federal também deixa condutas deploráveis na história do mensalão do PSDB. Aliás, em se tratando de sua conduta relacionada a fatos de interesse do PSDB, a PF tem grandes rombos na sua respeitabilidade.

Muito além de tudo isso, o que se constata a partir do mensalão mineiro, com a reportagem imperdível de Daniela Pinheiro na revista "piauí" que chegou às bancas, é nada menos do que estarrecedor. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, com seu gosto de medir o tamanho histórico dos escândalos, daria ali muito trabalho à sua tortuosa trena. Já não será por passar sem que a imprensa e a TV noticiosas lhes ponham os olhos, que o mensalão do PSDB e as protetoras deformidades policiais e judiciais ficarão encobertas.

É hora de atualizar o bordão sem mudar-lhe o significado: de dois pesos e duas medidas para dois pesos e dois mensalões.

domingo, 17 de junho de 2012

Usar Skype pode dar até 15 anos de prisão

Vejam que interessante essa notícia: comissão de juristas se reuniu e definiu que o uso do Skype pode dar prisão de até 15 anos!

Mas fique tranquilo, foi na Etiópia. Imagina quantos anos de prisão não vai valer uma entradinha no Facebook!

Então, tome cuidado e observe criticamente o atual trabalho de pré-projeto de um novo Código Penal brasileiro. Se bobear, tudo será criminalizado. E tomara que os princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade não se tornem apenas tópicos dos velhos livros de Direito Penal.

O fato é que não tem jeito: a pressão social é sempre tendente a expressões de "lei e ordem". E a falta de cultura sobre a dignidade da pessoa humana, sobre a ineficácia do Direito Penal e sobre as modernas formas de se combater condutas humanas socialmente indesejadas conduz ao pensamento generalizado de que a solução é criminalizar e aumentar penas.

E, de vez em quando, curiosamente entram alguns "juristas" na onda.

Não entenderam nada.

E, como se vê, o fenômeno tem sua faceta mundial e representa a cara de uma visão totalitária, presente não só em governos, mas em manifestações sociais como as que se lamuriam de saudade da ditadura brasileira: tambem não entenderam nada.

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A notícia é do Terra: clique aqui para ver a notícia no site, transcrita também a seguir.

A Etiópia aumentou as restrições para o uso da internet, tornando o uso de programas de voz por IP, como o Skype, um crime que pode resultar em até 15 anos de prisão. "As autoridades dizem que a proibição era necessária por motivos de segurança nacional e porque o VoIP representa uma ameaça ao monopólio federal de telecomunicações", afirmou o grupo Repórteres sem Fronteiras, que afirma que a lei foi ratificada em 24 de maio. As informações são do site THe Verge.

O governo etíope também teria bloqueado o acesso à rede Tor, que permite que os usuários naveguem na internet anonimamente. A rede Tor revelou que a empresa estatal Ethio Telecom começou a testar um sistema de inspeção profunda para investigar o tráfego web no país. Segundo o The Verge, aa penetração da internet é limitada na Etiópia, atingindo apenas 0,75% da população em 2010.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

"Aumento de pena não resolve" ou "Não se desanime com a greve..."

Prezados, não se desanimem com a greve. Sei que é chato e também as enfreitei quando estudante. Mas a sugestão é que vocês adiantem as leituras, façam seus resumos e se divirtam com o Direito sem provas marcadas, é ótimo!

Aproveitemos, então, para uma freflexão sociológica. Foi publicada ontem na Folha Online uma entrevista com o antropólogo Luiz Eduardo Soares, da UERJ. Nela, ele faz algumas reflexões interessantes o endurecimento de penas, seus efeitos e a percepção da população sobre o tema.

Esse tipo de pensamento é verdadeiro oxigênio para o Direito Penal. Mas para além de refletir sobre os argumentos apresentados, é muito interessante ver a profusão de comentários frmulados sobre a entrevista. Em síntese, espere, nesses comentários, muitas ofensas ao estudioso, geralmente com o pedido de pena de morte dele mesmo e pouca ou nenhuma referência a uma forma mais serena de ver o fenômeno da criminalidade. Prevalece mesmo a doutrina do mais influente penalista do momento, José Luiz Datena. Ah, sim, mas não sem hilárias formas utilização do vernáculo, apimentada pelas criativas formas de dissimular os palavrões, das quais as pessoas se utilizam para burlar os bloqueios para palavras de baixo calão.

Recomendo os comentários tanto quanto o texto, para uma completa compreensão da questão.

Veja, então, o links, é só clicar para ir ao original e em seguida mando a entrevista colada:

Íntegra da entevista

Comentários dos internautas

Se não estivéssemos com as atividades acadêmicas suspensas, eu conferiria 1 ponto extra a quem ousasse rebater os arguentos de lei e ordem apresentados pelos internautas...


05/06/2012 - 16h18

Aumento de pena não resolve questão da segurança, diz antropólogo

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DARIO DE NEGREIROS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O antropólogo Luiz Eduardo Soares, professor da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e ex-secretário nacional de Segurança Pública, afirma que o endurecimento de penas não resolve o problema da segurança pública.
74% são a favor de pena de morte ou prisão perpétua para estupro
Quase metade apoia tortura para obtenção de provas
Na entrevista abaixo, ele comenta os principais dados da pesquisa feita pelo NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP. O estudo mostrou que a maioria da população de 11 capitais brasileiras defende a pena de morte ou a prisão perpétua para estupradores, ao mesmo tempo que dizem ser contrários à pena de morte.
*
Folha - A pesquisa apontou queda no número de pessoas que são absolutamente contrárias ao uso de tortura para confissões e aumento nas que concordam que a polícia agrida ou atire contra um suspeito. O que esses números representam?
Luiz Eduardo Soares - É uma pesquisa importantíssima, que pode ser um marco, uma referência muito importante. É muito prematuro e leviano fazer especulações sobre justificativas possíveis para essas mudanças verificadas na pesquisa. Entretanto, eu diria que nós estamos em um período em que o mundo mudou, não foi só o Brasil. E mudou pra pior nessa área, na relação das pessoas com os valores de respeito à dignidade pessoal.



O antropólogo e ex-secretário nacional de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares, em sua casa no Rio
O antropólogo e ex-secretário nacional de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares, em sua casa no Rio
Após o 11 de Setembro, em vários países, as questões da segurança pública e da defesa nacional atropelaram os direitos humanos. E o fizeram, lamentavelmente, com apoio popular. Os EUA são um exemplo paradigmático disso. O presidente [George W.] Bush chegou a enviar ao Congresso e obter aprovação de algumas práticas de tortura como justificáveis em determinadas circunstâncias. [O presídio de] Guantánamo continua existindo, assim como outras prisões que se multiplicaram fora dos EUA e que estão alheias aos princípios que valem no interior do país. É a criação de uma espécie de purgatório global, para além de qualquer controle judicial e democrático.

O mundo passou a girar em torno do eixo do medo, do terror e da segurança. Então o primeiro passo interpretativo é o de evitar uma avaliação isolacionista do Brasil. Temos de pensar o quadro mundial. Nós estamos falando de um novo tempo, de um outro espírito do tempo. Esse avanço das posições contrárias a valores de respeito humano é mundial ou pelo menos supranacional.

Mas eu gostaria de comparar esses dados com os de outros países. Eu ousaria imaginar que talvez tenha ocorrido nos EUA uma degradação valorativa quanto aos direitos humanos maior do que essa verificada no Brasil. Talvez isso traria um raio de esperança no fim do túnel.

É importante salientar que a maioria continua sendo contrária a essas práticas todas que você mencionou. A maioria decresceu muitíssimo, o que é lastimável e muito significativo. Mas a maioria continua firme no propósito de valorização da dignidade humana. Será que isso acontece nos EUA?

E em relação à percepção da população de que o endurecimento de penas seria desejável para o combate a alguns tipos de crime, como o estupro? A população busca uma vingança ou uma forma de inibir esses crimes?
Isso se faz por esse casamento que você percebeu: do sentimento de vingança com a ideia de que com uma punição radical seria possível reduzir esse tipo de crime. Tem um sentido prático e um sentido vingativo.

O número é aterrador, é assustador. Mas o antropólogo tem uma tendência a não acreditar em opinião. Claro que ela representa um determinado momento, um estado de espírito, uma visão. Mas essa visão foi submetida a um debate profundo? Não, nós não discutimos a sério.
Nem as escolas, nem as universidades, nem os institutos de pesquisa, nem a mídia, nem as igrejas, nem o governo têm conseguido passar esse debate com a profundidade que seria necessária para que muitos desses 70% revisassem suas posições. E, diante de debates concretos, as pessoas reveem suas visões.

Então isso não deve ser cristalizado: "o Brasil é assim, a sociedade é assim". Bastaria um grande escândalo de alguém linchado ou morto injustamente para que as pessoas passassem a pensar duas, três, quatro vezes sobre essa questão. As opiniões mudam de acordo com o nível de debate, com as notícias da véspera.

Se a gente observar isso como uma tendência, como uma inclinação, a gente fica preocupado, assustado, mas não desesperado. Isso não é rígido, imutável. Isso tem a ver com o momento e pode mudar.

A partir de dados empíricos colhidos em países em que o endurecimento de penas foi adotado, seria possível ter uma conclusão sobre sua eficácia para coibir a criminalidade?
Não funciona. Mas há pesquisa para todos os gostos. Como dizia uma professora minha, os dados, bem torturados, dizem o que você quiser. As variáveis são tantas que, dependendo do método que se aplica, pode-se chegar a resultados distintos. Nós não podemos, infelizmente, contar com a ciência para resolver esses problemas. São problemas demasiadamente humanos.

Eu estou convencido de que o encarceramento amplo e veloz como o que estamos praticando no Brasil é um grande desastre. Aumento de pena não necessariamente muda a dinâmica de criminalidade. A pessoa vai praticar aquele crime e a consciência lhe diz: 'olha, pega a calculadora, agora não são sete anos, são treze'. Alguém faz um raciocínio desses? Esse tipo de contabilidade serve pra saciar a consciência reivindicativa, indignada, dos eleitores, que são manipulados demagogicamente pelo populismo. Mas eles não fazem diferença significativa, enquanto muitos outros elementos fazem.

Esse encarceramento generalizado, prendendo sobretudo por causa de drogas, é um enorme equívoco e vai gerar problemas muito maiores para a sociedade. Há alternativas muito mais inteligentes, mais baratas e razoáveis.

Mas, para além da conjuntura internacional, nós não poderíamos analisar esses resultados a partir das transições históricas brasileiras?
Sim, esse é um ponto importantíssimo. A maneira como foi feita a transição da ditadura para a democracia no Brasil contribui para a naturalização da brutalidade policial, da tortura e da violência do Estado.

Nós transitamos da ditadura pra democracia e não criamos mecanismos --como grandes rituais públicos-- para pararmos e pensarmos no que fizemos como sociedade, no que o Estado perpetrou, nem para dar nomes aos bois, sem retórica, chamando pelo nome o assassinato e a tortura, sem pudor. Não estou nem pedindo punição para essas pessoas. Mas se nós tivéssemos feito isso, e honrado nossos mortos, nós não autorizaríamos, por exemplo, que representantes da ditadura e praticantes da violência policial ironizassem os valores constitucionais.

Todo esse tipo de discurso se dá no contexto de quem viveu a transição empurrando as cinzas para debaixo do tapete. Assim como na vida individual, o que é reprimido, recalcado, volta a nos assombrar de uma maneira dolorosa e incontrolável.

E para as forças do Estado, para as forças policiais, resta a ideia de que não houve condenação. Elas, agora, deixaram de ser legais, houve mudança institucional, mas os procedimentos não foram questionados moralmente. Toda a cultura corporativa continua definindo a tarefa da segurança como uma tarefa equivalente à da guerra, de "exterminar o inimigo" etc. Todo esse legado da ditadura serve de combustível para a naturalização da brutalidade e para a sua continuidade.

E isso num contexto em que governadores aplaudem a violência policial como sendo demonstração de bravura, Ministério Público que raras vezes denuncia extermínios extrajudiciais e Judiciário que silencia. Em um contexto como esse, não só a brutalidade é preservada como método cotidiano, como as opiniões da sociedade naturalizam essas práticas como se elas fossem instrumentos legítimos de ação por parte do Estado.

O que não está muito longe de certas afirmações do próprio Estado, seja na ditadura, seja em períodos de quase exceção --como nos EUA, em que o governo Bush foi capaz de trazer para o Estado Democrático de Direito o convívio promíscuo com a barbárie.