domingo, 17 de junho de 2012

Usar Skype pode dar até 15 anos de prisão

Vejam que interessante essa notícia: comissão de juristas se reuniu e definiu que o uso do Skype pode dar prisão de até 15 anos!

Mas fique tranquilo, foi na Etiópia. Imagina quantos anos de prisão não vai valer uma entradinha no Facebook!

Então, tome cuidado e observe criticamente o atual trabalho de pré-projeto de um novo Código Penal brasileiro. Se bobear, tudo será criminalizado. E tomara que os princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade não se tornem apenas tópicos dos velhos livros de Direito Penal.

O fato é que não tem jeito: a pressão social é sempre tendente a expressões de "lei e ordem". E a falta de cultura sobre a dignidade da pessoa humana, sobre a ineficácia do Direito Penal e sobre as modernas formas de se combater condutas humanas socialmente indesejadas conduz ao pensamento generalizado de que a solução é criminalizar e aumentar penas.

E, de vez em quando, curiosamente entram alguns "juristas" na onda.

Não entenderam nada.

E, como se vê, o fenômeno tem sua faceta mundial e representa a cara de uma visão totalitária, presente não só em governos, mas em manifestações sociais como as que se lamuriam de saudade da ditadura brasileira: tambem não entenderam nada.

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A notícia é do Terra: clique aqui para ver a notícia no site, transcrita também a seguir.

A Etiópia aumentou as restrições para o uso da internet, tornando o uso de programas de voz por IP, como o Skype, um crime que pode resultar em até 15 anos de prisão. "As autoridades dizem que a proibição era necessária por motivos de segurança nacional e porque o VoIP representa uma ameaça ao monopólio federal de telecomunicações", afirmou o grupo Repórteres sem Fronteiras, que afirma que a lei foi ratificada em 24 de maio. As informações são do site THe Verge.

O governo etíope também teria bloqueado o acesso à rede Tor, que permite que os usuários naveguem na internet anonimamente. A rede Tor revelou que a empresa estatal Ethio Telecom começou a testar um sistema de inspeção profunda para investigar o tráfego web no país. Segundo o The Verge, aa penetração da internet é limitada na Etiópia, atingindo apenas 0,75% da população em 2010.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

"Aumento de pena não resolve" ou "Não se desanime com a greve..."

Prezados, não se desanimem com a greve. Sei que é chato e também as enfreitei quando estudante. Mas a sugestão é que vocês adiantem as leituras, façam seus resumos e se divirtam com o Direito sem provas marcadas, é ótimo!

Aproveitemos, então, para uma freflexão sociológica. Foi publicada ontem na Folha Online uma entrevista com o antropólogo Luiz Eduardo Soares, da UERJ. Nela, ele faz algumas reflexões interessantes o endurecimento de penas, seus efeitos e a percepção da população sobre o tema.

Esse tipo de pensamento é verdadeiro oxigênio para o Direito Penal. Mas para além de refletir sobre os argumentos apresentados, é muito interessante ver a profusão de comentários frmulados sobre a entrevista. Em síntese, espere, nesses comentários, muitas ofensas ao estudioso, geralmente com o pedido de pena de morte dele mesmo e pouca ou nenhuma referência a uma forma mais serena de ver o fenômeno da criminalidade. Prevalece mesmo a doutrina do mais influente penalista do momento, José Luiz Datena. Ah, sim, mas não sem hilárias formas utilização do vernáculo, apimentada pelas criativas formas de dissimular os palavrões, das quais as pessoas se utilizam para burlar os bloqueios para palavras de baixo calão.

Recomendo os comentários tanto quanto o texto, para uma completa compreensão da questão.

Veja, então, o links, é só clicar para ir ao original e em seguida mando a entrevista colada:

Íntegra da entevista

Comentários dos internautas

Se não estivéssemos com as atividades acadêmicas suspensas, eu conferiria 1 ponto extra a quem ousasse rebater os arguentos de lei e ordem apresentados pelos internautas...


05/06/2012 - 16h18

Aumento de pena não resolve questão da segurança, diz antropólogo

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DARIO DE NEGREIROS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O antropólogo Luiz Eduardo Soares, professor da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e ex-secretário nacional de Segurança Pública, afirma que o endurecimento de penas não resolve o problema da segurança pública.
74% são a favor de pena de morte ou prisão perpétua para estupro
Quase metade apoia tortura para obtenção de provas
Na entrevista abaixo, ele comenta os principais dados da pesquisa feita pelo NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP. O estudo mostrou que a maioria da população de 11 capitais brasileiras defende a pena de morte ou a prisão perpétua para estupradores, ao mesmo tempo que dizem ser contrários à pena de morte.
*
Folha - A pesquisa apontou queda no número de pessoas que são absolutamente contrárias ao uso de tortura para confissões e aumento nas que concordam que a polícia agrida ou atire contra um suspeito. O que esses números representam?
Luiz Eduardo Soares - É uma pesquisa importantíssima, que pode ser um marco, uma referência muito importante. É muito prematuro e leviano fazer especulações sobre justificativas possíveis para essas mudanças verificadas na pesquisa. Entretanto, eu diria que nós estamos em um período em que o mundo mudou, não foi só o Brasil. E mudou pra pior nessa área, na relação das pessoas com os valores de respeito à dignidade pessoal.



O antropólogo e ex-secretário nacional de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares, em sua casa no Rio
O antropólogo e ex-secretário nacional de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares, em sua casa no Rio
Após o 11 de Setembro, em vários países, as questões da segurança pública e da defesa nacional atropelaram os direitos humanos. E o fizeram, lamentavelmente, com apoio popular. Os EUA são um exemplo paradigmático disso. O presidente [George W.] Bush chegou a enviar ao Congresso e obter aprovação de algumas práticas de tortura como justificáveis em determinadas circunstâncias. [O presídio de] Guantánamo continua existindo, assim como outras prisões que se multiplicaram fora dos EUA e que estão alheias aos princípios que valem no interior do país. É a criação de uma espécie de purgatório global, para além de qualquer controle judicial e democrático.

O mundo passou a girar em torno do eixo do medo, do terror e da segurança. Então o primeiro passo interpretativo é o de evitar uma avaliação isolacionista do Brasil. Temos de pensar o quadro mundial. Nós estamos falando de um novo tempo, de um outro espírito do tempo. Esse avanço das posições contrárias a valores de respeito humano é mundial ou pelo menos supranacional.

Mas eu gostaria de comparar esses dados com os de outros países. Eu ousaria imaginar que talvez tenha ocorrido nos EUA uma degradação valorativa quanto aos direitos humanos maior do que essa verificada no Brasil. Talvez isso traria um raio de esperança no fim do túnel.

É importante salientar que a maioria continua sendo contrária a essas práticas todas que você mencionou. A maioria decresceu muitíssimo, o que é lastimável e muito significativo. Mas a maioria continua firme no propósito de valorização da dignidade humana. Será que isso acontece nos EUA?

E em relação à percepção da população de que o endurecimento de penas seria desejável para o combate a alguns tipos de crime, como o estupro? A população busca uma vingança ou uma forma de inibir esses crimes?
Isso se faz por esse casamento que você percebeu: do sentimento de vingança com a ideia de que com uma punição radical seria possível reduzir esse tipo de crime. Tem um sentido prático e um sentido vingativo.

O número é aterrador, é assustador. Mas o antropólogo tem uma tendência a não acreditar em opinião. Claro que ela representa um determinado momento, um estado de espírito, uma visão. Mas essa visão foi submetida a um debate profundo? Não, nós não discutimos a sério.
Nem as escolas, nem as universidades, nem os institutos de pesquisa, nem a mídia, nem as igrejas, nem o governo têm conseguido passar esse debate com a profundidade que seria necessária para que muitos desses 70% revisassem suas posições. E, diante de debates concretos, as pessoas reveem suas visões.

Então isso não deve ser cristalizado: "o Brasil é assim, a sociedade é assim". Bastaria um grande escândalo de alguém linchado ou morto injustamente para que as pessoas passassem a pensar duas, três, quatro vezes sobre essa questão. As opiniões mudam de acordo com o nível de debate, com as notícias da véspera.

Se a gente observar isso como uma tendência, como uma inclinação, a gente fica preocupado, assustado, mas não desesperado. Isso não é rígido, imutável. Isso tem a ver com o momento e pode mudar.

A partir de dados empíricos colhidos em países em que o endurecimento de penas foi adotado, seria possível ter uma conclusão sobre sua eficácia para coibir a criminalidade?
Não funciona. Mas há pesquisa para todos os gostos. Como dizia uma professora minha, os dados, bem torturados, dizem o que você quiser. As variáveis são tantas que, dependendo do método que se aplica, pode-se chegar a resultados distintos. Nós não podemos, infelizmente, contar com a ciência para resolver esses problemas. São problemas demasiadamente humanos.

Eu estou convencido de que o encarceramento amplo e veloz como o que estamos praticando no Brasil é um grande desastre. Aumento de pena não necessariamente muda a dinâmica de criminalidade. A pessoa vai praticar aquele crime e a consciência lhe diz: 'olha, pega a calculadora, agora não são sete anos, são treze'. Alguém faz um raciocínio desses? Esse tipo de contabilidade serve pra saciar a consciência reivindicativa, indignada, dos eleitores, que são manipulados demagogicamente pelo populismo. Mas eles não fazem diferença significativa, enquanto muitos outros elementos fazem.

Esse encarceramento generalizado, prendendo sobretudo por causa de drogas, é um enorme equívoco e vai gerar problemas muito maiores para a sociedade. Há alternativas muito mais inteligentes, mais baratas e razoáveis.

Mas, para além da conjuntura internacional, nós não poderíamos analisar esses resultados a partir das transições históricas brasileiras?
Sim, esse é um ponto importantíssimo. A maneira como foi feita a transição da ditadura para a democracia no Brasil contribui para a naturalização da brutalidade policial, da tortura e da violência do Estado.

Nós transitamos da ditadura pra democracia e não criamos mecanismos --como grandes rituais públicos-- para pararmos e pensarmos no que fizemos como sociedade, no que o Estado perpetrou, nem para dar nomes aos bois, sem retórica, chamando pelo nome o assassinato e a tortura, sem pudor. Não estou nem pedindo punição para essas pessoas. Mas se nós tivéssemos feito isso, e honrado nossos mortos, nós não autorizaríamos, por exemplo, que representantes da ditadura e praticantes da violência policial ironizassem os valores constitucionais.

Todo esse tipo de discurso se dá no contexto de quem viveu a transição empurrando as cinzas para debaixo do tapete. Assim como na vida individual, o que é reprimido, recalcado, volta a nos assombrar de uma maneira dolorosa e incontrolável.

E para as forças do Estado, para as forças policiais, resta a ideia de que não houve condenação. Elas, agora, deixaram de ser legais, houve mudança institucional, mas os procedimentos não foram questionados moralmente. Toda a cultura corporativa continua definindo a tarefa da segurança como uma tarefa equivalente à da guerra, de "exterminar o inimigo" etc. Todo esse legado da ditadura serve de combustível para a naturalização da brutalidade e para a sua continuidade.

E isso num contexto em que governadores aplaudem a violência policial como sendo demonstração de bravura, Ministério Público que raras vezes denuncia extermínios extrajudiciais e Judiciário que silencia. Em um contexto como esse, não só a brutalidade é preservada como método cotidiano, como as opiniões da sociedade naturalizam essas práticas como se elas fossem instrumentos legítimos de ação por parte do Estado.

O que não está muito longe de certas afirmações do próprio Estado, seja na ditadura, seja em períodos de quase exceção --como nos EUA, em que o governo Bush foi capaz de trazer para o Estado Democrático de Direito o convívio promíscuo com a barbárie.