Prezados,
Transcrevo a seguir, para apreciação de todos, artigo do Desembergador Federal Fausto de Sanctis, publicado no site do Jornal Valor e retirado do
site Conversa Afiada (clique para ver), com importantes ponderações sobrea reforma do Código Penal em andamento.
Boa leitura!
Por Fausto Martin De Sanctis
Discute-se a necessidade de reforma do
direito penal, havendo dissenso quanto ao sentido e a direção a serem
tomados. De um lado, nota-se uma tendência do legislador brasileiro em
abraçar de forma extremada o garantismo, que nem mesmo seu expoente
maior, Luigi Ferrajoli, foi capaz de conceber. Doutra parte, não se
deseja a busca da verdade a qualquer preço, tolhendo conquistas
históricas, muitas, às custas da opressão e da escravidão.
A maximização dos direitos humanos
resulta na banalização destes e na crença de sua inutilidade, com risco à
democracia e ao Estado de Direito. A minimização, porém, tudo deixa
passar e o resultado é desastroso. Não se propugna, também, a adoção do
direito penal do inimigo, com o adiantamento da punibilidade de fato do
futuro, a adoção de penas elevadas e a relativização das garantias. Um
direito penal desvinculado do ser apenas para atender expectativas de
prevenção geral, tampouco a inviabilização do direito com a
impossibilidade prática de sua efetivação, acentuando a impressão geral
de que ele desserve ao criminoso pobre e serve ao rico delinquente.
Está em vigor uma Comissão, presidida
pelo ministro Gilson Dipp, com o fim de elaborar um anteprojeto de novo
Código Penal, que contemple todas as difusas leis esparsas. O direito
penal, em razão das exigências de certeza e segurança jurídicas, requer,
mais do que os outros ramos do direito, uma ordenação clara e
sistemática de suas normas e princípios. E mais: esgotar toda e qualquer
hipótese de prática delitiva que viole bem jurídico tutelado. Aí sim,
fará sentido todo o esforço empreendido, quer porque sintetiza, quer por
harmonizar, num só corpo legislativo, a realidade social.
Espera-se, entretanto, com o
redimensionamento jurídico que não se aniquile o sistema, já fraco, de
proteção jurídica. O esforço sobre-humano não se esgota, porém, na
delimitação de bens jurídicos, na eleição dos modelos de conduta
considerados criminosos e na previsão proporcional de sanções penais.
Estas se legitimam quando visam assegurar o êxito das regras sociais. Há
necessidade de um procedimento que também respeite certos preceitos
universais: o processo penal.
Ora, não se pune de qualquer maneira. O
processo penal busca ultimar o direito penal, a estabilização jurídica,
no sentido de que a lei é válida e a todos submete. Não pode o
instrumento (CPP) configurar mecanismo de ocultação de fatos. Urge toda
reconstrução histórica da conduta para que o Estado possa refletir a
sociedade, orientar novos rumos e fazer que os cidadãos protagonizem
papel condutor, e não material etnográfico.
Evoluamos de um direito penal anárquico para um direito coerente
Aqui, ganha realce o papel do Poder
Judiciário porquanto a Justiça constitui, por natureza, o foro de
aprofundamento daquilo que a ela está sendo submetido para, ao final,
dar a devida palavra. Orientar.
Assim, se ferro (algemas e grades de
prisões), condenação e sujeição processual, via de regra, são
estigmatizantes e o criminoso tudo fará para minorar tais efeitos, o
Judiciário, na sua missão reparadora, estabelecerá a consequência
adequada do ato ilícito, respeitando-se liberdades consagradas e
minimizando efeitos desnecessários, apesar da evidente necessidade da
publicação de suas decisões para que a prevenção geral positiva tenha o
lugar de excelência. Se os direitos fundamentais não contêm apenas uma
proibição de intervenção estatal, expressando também um postulado de
proteção, até ao dever de segurança, impõe-se ao Estado a tutela do
indivíduo contra ataques de terceiros.
Assim, vincular o magistrado ao
“secundum allegata et probata a partibus”, quando o conjunto probatório
apresentar-se incerto e obscuro, não possui qualquer sentido. A direção a
ser tomada há de atingir níveis satisfatórios de eficácia e isso
exigirá rigor técnico porquanto a atecnia, o casuísmo e ou o
distanciamento dos princípios informadores do direito penal dificultarão
a sua aplicação.
“Nova” compreensão não pode significar o
reforço da impunidade dos mais privilegiados com o pretexto de adequar
figuras incriminadoras, subjugando os “normais” a um grupo
político-econômico a serviço de seus próprios interesses. O código,
antes uma “lei sagrada”, passaria a ser desacreditado com a proliferação
de técnica distinta daquela tradicionalmente consolidada. Verdadeira
dessacralização.
Não se espera uma manipulação do novo
Código porque representará, na prática, a não proteção. Assim, a
pretexto de consagrar uma tecnolinguagem ou uma tecnoteoria
fragmentar-se-á, ainda mais, a sociedade, com nichos e guetos elitistas,
fazendo do violador econômico (se houver) uma vítima e a sociedade ré,
tudo com desprestígio ao bem jurídico Justiça. Concretizemos os ideais
da nação, afastando-nos da forma benéfica como amiúde se trata a alguns
em detrimento de outros. Evoluamos de um direito penal anárquico para um
direito penal decisivamente coerente e funcional.
Fausto Martin De Sanctis é desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª região e escritor
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